A maioria do Supremo Tribunal Federal decidiu que oito condenados na Ação Penal 470, o processo do mensalão, não cometeram crime de formação de quadrilha. Com o placar de seis votos a cinco, o entendimento que prevaleceu na sessão desta quinta-feira (27/2) foi de que os envolvidos não se reuniram para a prática de crime — condição para que a formação de quadrilha fosse caracterizada.
 
Os ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki e Rosa Weber votaram pela absolvição do crime de quadrilha e, portanto, pelo provimento dos Embargos Infringentes. Vencidos, então, os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello votaram pela condenação dos réus.
 
Na prática, o entendimento diminui a pena estabelecida pelo Plenário no julgamento do caso e permite que fiquem de fora do regime fechado o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, cujas condenações transitadas em julgado somam menos de oito anos de prisão.
 
Também foi descartada a imputação de crime de quadrilha ao publicitário Marcos Valério e a seus ex-sócios, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, além dos ex-dirigentes do Banco Rural Kátia Rabello e José Roberto Salgado. Todos já estão no regime fechado, mas a defesa conseguiu diminuir a pena fixada. O ex-presidente do PT José Genoino, também beneficiado, já havia sido condenado ao regime semiaberto.
 
Argumentos
 
Segundo Fux (foto), relator dos infringentes, a formação de quadrilha existe mesmo se os envolvidos se reuniram a princípio para fins legais. Para ele, os condenados associaram-se em um “projeto deliquencial” e sabiam da divisão de tarefas dos demais integrantes para manipular o Legislativo.
 
O ministro Teori Zavascki foi o primeiro a ler o voto nesta quinta-feira (27/2). Ele apontou a diferença entre formação de quadrilha e cooperação para o crime e decidiu que, no processo do mensalão, houve reunião de pessoas para práticas criminosas. “Um crime cometido por três ou cinco pessoas não significa que tenha sido cometido em quadrilha”, disse o ministro. Ele votou pela absolvição dos réus.
 
Em seguida, e com o mesmo entendimento de Zavascki, a ministra Rosa Weber disse que continuava convencida de que não houve crime de formação de quadrilha. Segundo ela, formação de quadrilha requer que a união de pessoas se faça para a prática de crime. Ela aceitou os recursos pela absolvição dos réus pelo crime de formação de quadrilha por atipicidade de conduta. A partir daqui, mesmo faltando os votos de três ministros, a maioria no STF já havia decidido pela derrubada do crime de quadrilha.
 
“Chega de ironia e de blasfêmia”, disse o ministro Gilmar Mendes ao votar com a certeza de que houve o crime de formação de quadrilha. Para ele, a gravidade dos fatos atenta contra a paz pública, por isso as penas deveriam servir para retribuir o mal causado e impedir a prática de novos crimes. O ministro afirmou ainda que o Brasil saiu “fortalecido” do julgamento do mensalão.
 
Durante o voto, Gilmar Mendes (foto) comparou o caso do mensalão ao do deputado federal Natan Donadon, condenado à prisão pela prática dos crimes de formação de quadrilha e peculado em 2013 na Ação Penal 396 e que teve o seu mandado cassado pela Câmara. “Certamente seríamos forçados a conceder Habeas Corpus de ofício ou levar ao Juizado de Pequenas Causas”, ironizou.
 
Logo em seguida, o ministro Marco Aurélio afirmou que houve formação de quadrilha, mas votou pela diminuição da pena. Ele fundamentou o voto no sentido de que houve a “permanência, estabilidade e entrosamento” quanto à prática do crime.
 
Marco Aurélio criticou a atual composição da corte que, segundo ele, fez “do dito pelo não dito”, já que, na primeira fase do julgamento — com os ministros Ayres Britto e Cezar Peluso —, os réus foram condenados por formação de quadrilha. E agora, com os ministros Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki, a decisão da maioria levou à absolvição do crime.
 
No mesmo sentido, Celso de Mello votou pela condenação dos réus por formação de quadrilha — crime que, segundo ele, por sua simples existência, constitui “agressão permanente contra a sociedade civil”. O ministro disse que os réus são “delinquentes, agora condenados travestidos então da condição de altos dirigentes governamentais”.
 
Por último, o presidente da corte, ministro Joaquim Barbosa, disse que foi formada uma “maioria de circunstância” para acabar com o julgamento anterior. Segundo ele, o objetivo foi de “reduzir a nada” o trabalho que fora feito. Ele disse que os crimes contra o sistema financeiro nacional de corrupção ativa e passiva e peculato estão provados e documentados. “Como sustentar que isso não configura quadrilha?”, questionou.
 
Barbosa chamou de “argumentos espantosos” aqueles que entenderam que não houve formação de quadrilha e que se “basearam apenas em cálculos aritméticos e em estatísticas totalmente divorciadas da prova dos autos, da gravidade dos crimes praticados e documentados”, afirmou. Em relação ao “entendimento implícito” dos ministros de que para haver a formação de quadrilha os membros devem viver do crime, Barbosa afirmou então que esse tipo penal só poderia ser cometido por “desempregados” ou “marginais”.
 
Embargos Infringentes
 
Os oito réus tiveram direito aos Embargos Infringentes porque, no julgamento sobre o mérito da AP 470, haviam conseguido ao menos quatro votos a favor da absolvição especificamente para o crime de quadrilha. A maioria dos advogados seguiu o argumento de que não há provas de quadrilha nos autos e que os clientes se reuniram para atividades lícitas, seja um partido ou uma empresa. Marcelo Leonardo (foto), defensor de Marcos Valério, afirmou que as agências de publicidade DNA e SMP&B desenvolviam trabalhos regulares, com propagandas premiadas.
 
Ainda está na pauta do STF a análise de Embargos Infringentes que questionam a condenação por lavagem de dinheiro do ex-deputado João Paulo Cunha (PT-SP), do ex-assessor do PP João Cláudio Genu e de Breno Fishberg, ex-sócio da corretora Bônus Banval — que, segundo o Ministério Público Federal, foi usada para a prática de lavagem.
 
Bate-boca
 
O julgamento havia começado na quarta-feira (26/2) e a sessão foi encerrada com quatro votos a favor da absolvição e apenas um contrário. Na ocasião, o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, abriu um bate-boca no Plenário após o ministro Luís Roberto Barroso apresentar tese de que o crime de quadrilha já prescreveu.
 
Fonte: ConJur (Por Livia Scocuglia e Felipe Luchete).