Paulo Dariva. Advogado Criminalista. Conselheiro Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Estado do Rio Grande do Sul. Bacharel em Ciências Jurídicas e Social – Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Especialista em Direito Penal Empresarial pelo Programa de Pós-Gradução Ciências Penais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Coordenador das Salas da OAB/RS nos Foros da Capital e Membro da Comissão de Defesa, Assistência e das Prerrogativas dos Advogados – CDAP da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Estado do Rio Grande do Sul. Membro associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, à Associação dos Advogados Criminalistas do Rio Grande do Sul – ACRIERGS e ao Instituto Brasileiro de Direitos Humanos – IBDH.
 
1.     Nota Introdutória
 
A publicação ou a divulgação de fotos, vídeos ou outro registro contendo cenas de sexo explícito ou pornográficas envolvendo crianças ou adolescentes constitui crime previsto no art. 241-A da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
 
Ocorre que, quando tal publicação ou divulgação se dá por meio da rede mundial de computadores, a internet, principalmente nas redes sociais, surge a problemática de se estabelecer o Juízo competente, se federal ou estadual, para processar e julgar a respectiva ação penal.
 
De fato, a veiculação de material pornográfico envolvendo criança ou adolescente na internet pode se dar pela troca entre pessoas certas e determinadas, todas residentes no país, ou pela divulgação a uma gama imensa de pessoas, em redes sociais, por exemplo. Conforme o caso, a competência para processamento e julgamento do delito será estadual ou federal.
 
2.     Do delito previsto no art. 241-A da Lei nº 8.069/90
 
O delito de publicação ou divulgação de material pornográfico envolvendo criança ou adolescente, como referido, está previsto no art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assim determina: Art. 241-A.  Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:  Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.”
 
O presente tipo penal foi criado por meio da Lei nº 11.829, de 25 de novembro de 2008, que teve o objetivo de aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet.
 
Como se percebe, atendendo à nova realidade social, em que o acesso à internet e às redes sociais é cada vez mais amplo e irrestrito, o legislador promoveu a mencionada inclusão de tipo penal, na busca de uma maior proteção às crianças e aos adolescentes.
 
3.     Das regras de competência atinentes ao tema
 
É cediço que a competência da Justiça Federal vem definida no art. 109 da Constituição Federal, motivo pelo qual, uma vez subsumido o fato nas hipóteses ali previstas, competente será a Justiça Federal para processual e julgar o delito, possuindo a Justiça Estadual, nesse caso, competência residual. Ou seja, “o art. 109 da Constituição Federal estabelece a competência dos juízes federais, razão pela qual o restante dos delitos fica a cargo dos magistrados estaduais.[1]
 
O art. 109, inciso V, da Constituição Federal determina que “aos juízes federais compete processar e julgar (…) os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.”
 
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar conflito de competência envolvendo delito de injúria, definiu que o simples fato de um delito ter sido cometido por meio da rede mundial de computadores, ainda que em páginas eletrônicas internacionais, inclusive em redes sociais, não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime em questão.[2] Para a fixação da competência da Justiça Federal, necessário se faz que o fato criminoso se enquadre ao menos em uma das hipóteses previstas no art. 109 da Constituição Federal.
 
Pois bem, a publicação ou divulgação de material pornográfico envolvendo criança ou adolescente, via internet, mormente quando ocorrida por meio de redes sociais, subsume-se a uma das hipóteses previstas no dispositivo constitucional referido, senão vejamos.
 
O Brasil, ao firmar e internalizar, por meio do Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990, a Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, comprometeu-se a coibir delitos envolvendo materiais pornográficos de crianças e adolescentes, preenchendo, assim, a primeira parte do que determina o inciso V do art. 109 da Constituição Federal.
 
Contudo, não basta que o delito seja perpetrado por meio da rede mundial de computadores para atrair a competência da Justiça Federal, sendo obrigatório o caráter de transnacionalidade do delito.
 
A internet constitui uma rede mundial que interliga inúmeros computadores, permitindo o acesso a informações e a transmissão de dados de e para locais diversos, inclusive ao exterior. Ainda que eventualmente os servidores que armazenem o material pornográfico estejam sediados em território nacional, a sua publicação ou divulgação por meio das redes sociais permite o seu acesso por uma gama imensa de indivíduos, oriundos de qualquer localidade do planeta, o que é suficiente para preencher o requisito da transnacionalidade exigida pela parte final do inciso V do art. 109 da Constituição Federal, atraindo a competência da Justiça Federal.
 
O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado, reconheceu a competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime em apreço, quando cometido nas circunstâncias aqui tratadas, definindo que “a divulgação de imagens pornográficas, envolvendo crianças e adolescentes por meio do Orkut, não se restringe a uma comunicação eletrônica entre pessoas residentes no Brasil, uma vez que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, desde que conectada à internet e integrante do dito sítio de relacionamento, poderá acessar a página publicada com tais conteúdos pedófilos-pornográficos, verificando-se, portanto, cumprido o requisito da transnacionalidade exigido para atrair a competência da Justiça Federal.”[3]
 
Portanto, o processamento e julgamento do delito previsto no art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando cometido por meio das redes sociais, por preencher os requisitos exigidos pelo art. 109, inciso V, da Constituição Federal, é de competência da Justiça Federal.
 
 4.     Conclusões
 
 Diversas são as hipóteses de cometimento de delitos por meio da rede mundial de computadores, mormente pelas redes sociais, mas nem sempre a competência para o seu processamento e julgamento será da Justiça Federal. Exige-se, para tanto, que o fato se enquadre em, ao menos, uma das hipóteses previstas no art. 109 da Constituição Federal.
 
O crime de publicação ou divulgação de material pornográfico, quando perpetrado por meio de redes sociais, preenche os requisitos previstos no inciso V do art. 109 da Constituição Federal, eis que: 1) trata-se de delito a que o Brasil comprometeu-se perante a comunidade internacional a coibir ao assinar e internalizar a Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas; e 2) considerando que as redes sociais permitem o acesso dos materiais pornográficos por uma gama imensa de indivíduos, oriundos de qualquer localidade do planeta, preenchido está o requisito da transnacionalidade, exigido pela parte final do dispositivo constitucional referido.
 

[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 4ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 286.
[2] STJ, CC 121431/SE, 3ª Seção, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11.04.2012.

[3] STJ, CC 120999/CE, 3ª Seção, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora convocada do TJ/PE), julgado em 24.10.2012.