Em sessão pública da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) realizada em Brasília (DF), a República da Colômbia reconheceu sua responsabilidade parcial por violações aos direitos humanos ocorridas na operação de retomada do Palácio da Justiça, em 1985, que resultou no desaparecimento de 13 pessoas. A sessão ocorreu nesta terça-feira (12) e prosseguirá nesta quarta (13) no Tribunal Superior do Trabalho (TST), como parte do 49º Período Extraordinário de Sessões da Corte IDH. Estiveram presentes, além dos integrantes da Corte, membros da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, representantes da República da Colômbia e parentes das vítimas. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, acompanhou a primeira parte da audiência.
 
O caso
 
O reconhecimento ocorreu no âmbito do caso Rodriguez Vera e outros versus Colômbia, que diz respeito à tomada e retomada do Palácio da Justiça, em Bogotá, que sedia a Suprema Corte e o Conselho de Estado colombiano, nos dias 6 e 7 de novembro de 1985. Segundo o processo, na manhã do dia 6, um grupo de guerrilheiros do Movimento 19 de Abril (M-19) ocupou o palácio e fez cerca de 350 reféns. Durante a operação de desocupação, houve enfrentamentos entre guerrilheiros e as Forças Armadas, com troca de tiros, ataque com tanques e incêndios, e, como resultado, dezenas de pessoas morreram – o número exato até hoje não é conhecido.
 
Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que levou o caso à Corte IDH, 13 pessoas desapareceram após o episódio, e não puderam ser identificadas entre os mortos. Familiares desses desaparecidos afirmaram que, além de imagens de TV mostrá-los com vida, teriam recebido ligações de membros do Exército informando que as pessoas haviam sido detidas e conduzidas a unidades militares, onde estariam sendo torturadas para confessar sua suposta ligação com o M-19.
 
Impunidade
 
Na sessão de hoje, o presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, José de Jesús Orozco, sustentou que os 13 desaparecidos sobreviveram à operação de retomada e estiveram sob a guarda das Forças Armadas fora do Palácio. Deles, só são conhecidos os destinos de dois – o juiz auxiliar do Conselho de Estado Carlos Horácio Urán e de Rosa Castiblanco Torres, empregada da cafeteria local, reconhecidos como mortos. Outras quatro pessoas teriam sido submetidas a torturas físicas e psicológicas.
 
A comissão enfatizou que a operação envolveu órgãos de inteligência e de segurança, as Forças Armadas e policiais, o Ministério da Defesa e a Presidência da República. “Os 13 desaparecimentos forçados e os quatro casos de tortura continuam impunes”, afirmou Orozco, lembrando que apenas dois militares foram condenados em decisões ainda não transitadas em julgado pela Justiça colombiana. “Apesar da passagem dos anos, o caso ainda não foi resolvido, e seu impacto na vida das vítimas, de seus familiares e da própria sociedade colombiana exige uma resposta integral, que inclui medidas de esclarecimento, responsabilidade civil, penal e disciplinar, reparação e não repetição”.
 
Responsabilidade
 
A diretora da Agência Nacional de Defesa Jurídica da Colômbia, Adriana Guillén, admitiu a responsabilidade internacional do Estado por parte dos fatos ocorridos. Guillén leu o termo de reconhecimento ao lado dos demais representantes da Colômbia, que se puseram de pé, voltados para os familiares das vítimas presentes à sessão, e pediu perdão.
 
A defensora assumiu que o Estado foi responsável por omissões que resultaram na violação de direitos à liberdade de consciência e religião e à integridade pessoal e na vulneração das garantias judiciais em relação aos desaparecidos e torturados. A manifestação reconhece que essas pessoas estavam no Palácio de Justiça no momento da invasão pelo Exército e posteriormente desapareceram.
 
“Pedimos perdão e expressamos nosso respeito absoluto às vítimas e suas famílias”, afirmou. “Entendemos que o tempo passou, e trouxe como consequência a perda da confiança no Estado e em suas instituições, e esperamos que este ato de reconhecimento contribua para que as vítimas e seus familiares recuperem essa confiança”.
 
Reconhecimento tardio
 
Para os representantes das vítimas, o reconhecimento se deu de forma parcial e tardia e sem o requisito da boa-fé. “É inaceitável que, depois de 28 anos, persista a negação, a falta de interesse de todos os governos, a ocultação da verdade”, afirmou a porta-voz do grupo. “O reconhecimento é vazio, porque se desconhece que o desaparecimento foi coletivo”.
 
Eles defendem que a reparação não pode se restringir a uma indenização. “Durante 28 anos, a posição do Estado valorizou a omissão, a ocultação, a obstaculização dos processos judiciais e a revitimização, perpetuando a impunidade”.
 
Os familiares também rejeitam que se chamem de “erros” os atos praticados na desocupação, e sustentam que o propósito deliberado da ação foi o de torturar, executar e ocultar provas dos desaparecimentos. Eles afirmam que recorreram ao sistema interamericano de direitos humanos porque “o Estado Colombiano, por vontade própria, nunca vai esclarecer a verdade”.
 
Também o presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Jesús Orozco, embora classificando o gesto da Colômbia como “construtivo”, afirmou que não se trata apenas de “omissões”, mas de “atos de desaparecimento forçado e tortura cometidos de forma coordenada e articulada por agentes pertencentes a diversos entes estatais” e, posteriormente, “ações deliberadamente praticadas pelo Exército para encobrir tais fatos”. Segundo ele, o reconhecimento parcial “não reflete o que efetivamente aconteceu com relação às vítimas de desaparecimento forçado nem o verdadeiro alcance da responsabilidade internacional por parte do Estado”.
 
Busca da verdade
 
O presidente da CorteIDH, Garcia Sayán, afirmou que o reconhecimento do Estado colombiano será analisado “no momento oportuno”, mas observou que foi “um passo importantíssimo para uma relação construtiva para o tratamento deste caso com relação aos direitos das vítimas”. Segundo Sayán, a corte analisará “com cuidado” todas as manifestações, e o fato de haver um reconhecimento de responsabilidade sobre fatos acontecidos há 28 anos é algo a ser valorizado como elemento positivo para se encontrar uma solução que chegue “à verdade, à justiça e à reparação das vítimas”.
 
Testemunhas
 
A sessão pública prossegue amanhã (13) com oitiva de testemunhas e depoimento de peritos. Um dos depoimentos de mais destaque desta terça-feira foi o de uma das sobreviventes, Iolanda Santo Domingo, estudante de Direito à época dos fatos, uma das reféns. Ela contou que estava no Palácio da Justiça por conta de um trabalho acadêmico e contou detalhes da atuação dos militares durante a retomada, quando foi considerada subversiva e, por isso, presa e torturada. César Rodrigues Vera contou a saga de sua família em busca de informações sobre o irmão, Carlos Augusto Vera, um dos desaparecidos.
 
Também nesta terça-feira, a Corte ouviu Ana Maria Bidegaín, viúva do juiz Carlos Horácio Urán. A versão inicial em relação a Urán era a de que ele teria sido vítima de fogo cruzado durante a operação, mas, em 2007, seus objetos pessoais foram identificados numa instalação do Exército, onde teria sido torturado e executado.
 
Outra testemunha foi Angela Maria Buitrago Ruiz, que conduziu, como promotora, as investigações sobre o caso entre 2005 e 2010, e contou detalhes do que foi apurado. As diligências levaram à identificação dos dois mortos (o juiz auxiliar do Conselho de Estado Carlos Horácio Urán e Rosa Castiblanco Torres, empregada da cafeteria local), mas, segundo ela, nada foi encontrado que pudesse ser relacionado aos desaparecidos.
 
O antropólogo forense Carlos Bacigalupo Salinas falou sobre sua especialidade – o tratamento da cena do crime e dos corpos das vítimas. Salinas mostrou vídeos da operação de retomada e filmagens realizadas após a desocupação e apontou supostas manipulações que resultaram na perda de provas e dificultaram a identificação das vítimas.
 
O último a participar da sessão desta terça-feira foi o médico legista Máximo Alberto Duque Piedrahíta, ex-diretor do Instituto Nacional de Medicina Legal. Ele respondeu a diversas perguntas sobre as condições de permanência, manejo, recolhimento, inumação e exumação das vítimas do Palácio da Justiça e sobre as dificuldades para a identificação e a conservação dos restos humanos provenientes do local e sobre as provas forenses que levaram à identificação do magistrado Carlos Horácio Urán, vítima de um tiro na cabeça.
 
Os dois dias de sessão pública em Brasília encerram a fase de instrução do processo. Em seguida, se abrirá prazo para que as partes apresentem seus argumentos por escrito. As alegações finais são a última etapa antes que a Corte prolate a sentença, o que deve ocorrer até dezembro.
 
Fonte: STF.